Era final de abril, e eu estava tentando cortar a quetiapina completamente para poder voltar a doar sangue. Não tive acompanhamento de um psiquiatra no processo. Sim, eu sei. Primeiro sinal de alerta.
Meu estado mental foi piorando lentamente nos dias seguintes. Primeiro, comecei a perder o sono. À medida que meu sono ficava mais irregular, tentei voltar com a quetiapina, o que parecia ajudar um pouco. Depois, fiquei mais maníaco, infelizmente me envolvendo em discussões com mais pessoas do que deveria. Achei que essas brigas eram justificadas por eu estar “certo”, então mandei palavras duras para cerca de 5 pessoas nesse período — pessoas que, na minha percepção, tinham me prejudicado de alguma forma. Três ou quatro dias depois, em 24 ou 26 de abril, tudo desandou de vez.
Agredi meu pai quando ele entrou no quarto para ver se eu estava bem. A casa estava uma bagunça completa, com objetos espalhados pelo escritório, sala e quarto. Ele pensou que eu estava tendo um surto, como em 2023, e chamou a ambulância imediatamente. Eu estava meditando quando vi três ou quatro figuras se aproximando, vestidas com roupas de funcionários de hospital. Lembro que me chamaram para conversar, com meu pai ao lado, mas como eu “estava bem”, não quis ir. Eles me pegaram pelo braço para me colocar em uma maca. Nesse momento, perdi a consciência.A próxima coisa de que me lembro foi de estar em um hospital, um onde eu já havia estado quando tentei suicídio em 2023 (assunto para outra hora). Estava amarrado a uma cama no chão, sem entender por que estava ali, agonizando e pedindo para ser solto. Lembro que meu pai e meu tio estiveram ao meu lado em certos momentos. Fiquei tanto tempo amarrado que senti um desespero absoluto, como se estivessem arrancando minha alma. No auge dessa sensação, apaguei novamente. Fui então levado — sem saber — para o mesmo hospital onde passei 2 meses em 2023: o HEM, em Marília, São Paulo.
Minha rotina, os eventos e as dores do dia a dia são o tema deste artigo, embora eu tenha omitido muitas coisas que, acredito, “você tinha que estar lá” para entender. Em termos de causa, podemos dizer que entrei em mania devido à privação da quetiapinaFoi muito difícil no começo. Fiquei em um quarto coletivo com outros pacientes por cerca de 17 dias, a maioria deles idosos. Eles faziam cocô e xixi no chão, se comportavam de forma estranha, muitos com Alzheimer.
Foi uma bênção quando me transferiram para o que chamei de “meu” quarto. Bem, na verdade, dividi o quarto com duas ou três pessoas diferentes até receber alta no dia 24 de julho, uma semana após meu aniversário. Quartos privados estavam disponíveis, mas minha estadia era paga pelo convênio, que cobria apenas quartos duplos.
Um dos meus colegas de quarto era um sobrevivente de tentativa de suicídio. O outro, um fumante compulsivo com paranoia extrema e esquizofrenia, chegou a me ameaçar de morte em certo dia. O último estava internado desde 2023, com habilidades motoras gravemente comprometidas, esquizofrenia, total dependência para atividades básicas e a mentalidade de um adolescente de 14 anos. Fui eu quem o ensinou a lavar as próprias roupas — sua família não as mandava com frequência, um problema comum entre muitos pacientes.
Não havia muito o que fazer ali. Tínhamos cerca de 1h30 de Terapia Ocupacional por dia durante a semana, e 1h por dia no pátio arborizado onde fazíamos atividades físicas. Também havia 30 minutos diários de Sermões Espirituais, conduzidos por voluntários — alguns dos quais eu conhecia do Centro Espírita que frequentava.
As visitas aconteciam às terças, quintas e sábados. Meu pai ou meu tio me visitavam sempre, com exceção de uma vez em que não puderam ir. Fiquei furioso e cheguei a insultar meu pai por telefone. Ele me pediu calma — e eu me acalmei.
Durante as visitas, conversávamos sobre como eu estava, problemas da família, minha tão esperada alta. Eu comia chocolate, tomava café. Às vezes meu pai trazia frutas, comidas e… cigarros. Mais sobre isso em breve.
O restante do tempo era passado em um pequeno pátio com bancos ou dentro do quarto. Tínhamos televisão, e logo me vi assistindo novelas brasileiras todas as noites para passar o tempo.
90% dos pacientes fumavam — e eu me tornei um deles. Estava sem fumar desde outubro de 2024, quando terminei um relacionamento com uma dependente química, mas a pressão social ali era imensa. E, sejamos sinceros: fumar era a única atividade que nos dava algum alívio e dopamina gratuita, em um ambiente onde todos aguardavam ansiosamente sua alta e estavam à beira de um colapso emocional.
Sábados e domingos eram um inferno, pois não havia praticamente nada para fazer. Em certo momento consegui pegar um caderno e uma caneta, o que me permitiu escrever diários, rascunhar artigos, desenhar e tomar notas. Tenho uma coleção de histórias interessantes que um dia talvez publique em algum lugar.
Durante a semana, éramos visitados por uma psicóloga e uma psiquiatra, o que permitia avaliar nosso estado e, mais importante, negociar a saída. Eu me sentia confortável com elas, já as conhecia desde 2023. Muitos funcionários também se lembravam de mim, o que ajudou a tornar minha estadia um pouco mais leve. Trocávamos piadas e comentários sobre a vida hospitalar. Certa vez, a assistente social me disse para parar de usar fio dental no pátio — o que arrancou gargalhadas dos presentes.
A assistente social, os psicólogos e psiquiatras estão entre os melhores da cidade, e só posso admirar a dedicação e o trabalho deles.
Por fim, podíamos meditar. Embora as condições não fossem ideais: muito barulho vindo dos pacientes, do rádio, e gente entrando no quarto a toda hora para pedir algo. Mas, na segunda metade da minha estadia, eu já me sentia em casa, mais ou menos adaptado, o que me permitiu transformar o hospital no meu próprio Retiro de Meditação. Fiz algum progresso nesse aspecto, especialmente nos momentos de jejum. A comida não era exatamente deliciosa, mas cumpria seu papel.
Ah, e fiquei terrivelmente constipado por cerca de 10 dias. Em um certo dia, precisei entrar no chuveiro e retirar as fezes com os próprios dedos. Eu sei, nojento.
Também havia livros em uma pequena biblioteca na sala de Terapia Ocupacional, a maioria sobre Espiritismo. Todos doados — alguns, raríssimos. Pegava livros novos quase todos os dias. Em determinado momento, meu quarto já estava com tantos livros que me proibiram de pegar mais.
Os mais inteligentes entre nós tinham a leitura como principal ocupação. Às vezes, eu usava a dopamina extra proporcionada por um cigarro para vencer uma passagem difícil. Meu pai também trouxe alguns dos meus próprios livros. Li sobre Espiritismo, Experiências Fora do Corpo, Parapsicologia, Reiki — através do maravilhoso Mãos de Luz —, Yoga, entre outros. Também levei um dicionário de japonês, na esperança de progredir um pouco, já que tinha um desafio de speedrun de japonês esperando por mim em casa.
Engraçado: cheguei até a conseguir um mangá ecchi por lá. Ríamos daquele quadrinho erótico. Infelizmente, minha habilidade de ler kanji era fraca, então virou mais uma piada interna.
Também trouxe um dos meus livros de xadrez. Tínhamos um jogo de xadrez no hospital, e eu cheguei a ensinar os pacientes que gostavam de jogar. Mas duas das peças — dois cavalos — foram roubadas na semana que antecedeu minha saída, o que acabou com uma das poucas distrações que tínhamos.
É claro que a vida no hospital vinha com sua dose de frustrações — uma das mais comuns era o desaparecimento misterioso de objetos. Roupas, livros, itens pessoais... tudo sumia. Não era raro você deixar algo na cama pela manhã e descobrir que tinha evaporado à tarde.
Às vezes, dávamos risada. Outras, doía — especialmente quando era algo pessoal, como meu querido fone com Bluetooth cheio de músicas. Ele sumiu por dias antes de “reaparecer”, como se tivesse ido dar uma volta por aí.
Costumávamos culpar os idosos com Alzheimer, ou um certo interno com fama de cleptomaníaco. Os funcionários faziam o possível para manter a neutralidade, mas de vez em quando conseguiam recuperar algum item.
Sinceramente, eu poderia escrever um artigo inteiro só sobre isso — o caos dos espaços compartilhados, a raiva por perder algo, e a estranha solidariedade que nascia quando tentávamos nos ajudar a recuperar o que foi perdido.
É impossível falar sobre o Hospital — que tem uma vertente espírita — sem mencionar as coisas estranhas que acontecem por lá. As alas do hospital levam nomes de figuras famosas da literatura espírita, como Allan Kardec e André Luiz, só para você ter uma ideia de como o Espiritismo influencia a filosofia do lugar.
Minha primeira internação, em 2023, foi repleta desse tipo de acontecimento, que mantive em segredo até hoje por serem, no mínimo, estranhos e difíceis de explicar. Porém, é crença geral entre funcionários e pacientes que o hospital está sob forte influência de forças espirituais. Inclusive, são realizadas mesas brancas no mesmo espaço onde temos Terapia Ocupacional.
Então, vou comentar brevemente sobre os aspectos espirituais — o tipo de coisa que costumo escrever no meu blog e que espanta metade dos meus amigos. Sei que isso vai despertar desconfiança, especialmente entre céticos e ateus. Se for o seu caso, sinta-se livre para interpretar tudo como alucinações — ou talvez como algo além. Não estou aqui para convencer ninguém.
Eu me identifico como médium desde 2022, ano em que comecei minha jornada séria na meditação. Não me considero “dono” de nenhum dom extraordinário além da observação de certos fenômenos — até porque muitos dos outros pacientes tinham experiências muito mais marcantes que as minhas.
Meu amigo mais próximo lá, “B.”, era capaz de ter experiências fora do corpo. Ele “dormia” praticamente o dia todo, só saía do quarto para fumar, jogar truco ou comer. Me ensinou um exercício com esferas para “abrir os chakras das mãos”. Quando saí do hospital, ele me motivou a retomar a vida com um sorriso no rosto.
Outro paciente era conhecido como materializador de cigarros — e por isso vivia cercado de internos pedindo um trago. Ele também era clarividente, capaz de ler a aura das pessoas e, com isso, compreender seus sentimentos e pensamentos de forma sobrenatural. Passava boa parte do tempo assustado, devido à sobrecarga de informações que a mediunidade intensa parece provocar.
Entre os fenômenos que eu mesmo experienciei — ou produzi — estão: materialização de cigarros, deixar objetos translúcidos, telepatia leve, acesso a informações pessoais, leitura e canalização de aura, entre outros.
No final da minha estadia, alguns pacientes chegaram a deitar no meu quarto para que eu avaliasse seus chakras com um pêndulo improvisado — um colar barato — e, com certo sucesso, eu identificava bloqueios e sugeria exercícios extraídos do Mãos de Luz para abertura dos centros energéticos.
E eu juro que vi um dos internos — um senhor viciado em cigarros — se bilocar na ala feminina do hospital (homens e mulheres eram separados por gênero).
Mais uma vez, você é livre para interpretar esses relatos como quiser. Ignorá-los seria omitir metade da verdade do que aconteceu por lá. Você pode rotulá-los como esquizofrenia ou qualquer outro diagnóstico psiquiátrico.
Mas já que mencionamos a ala feminina, vamos falar de...
Fui o noivo da Festa Junina — esse tipo de festa típico do Brasil — e acabei me envolvendo com uma interna que fez o papel de “noiva” nesse evento. O nome dela era “D.”.
Fora ela, também demonstrei interesse por uma outra mulher, que eu já conhecia de fora; e até flertei com algumas funcionárias do hospital.
Tudo isso com um tom mais brincalhão do que realmente romântico — a intenção era mais se distrair do que fazer qualquer coisa séria. Uma vez, por exemplo, os internos do sexo masculino fizeram uma lista com todos os nomes e mandaram para a ala feminina e para a equipe, pedindo que classificassem os “mais bonitos”. Esse era o tipo de maluquice que inventávamos quando estávamos inspirados — ou melhor dizendo, entediados.
O hospital separava homens e mulheres com horários específicos para refeições e atividades. Mas em certos momentos participávamos de atividades conjuntas, como a Orientação Espiritual. D. e eu trocamos alguns beijos pelos corredores, mesmo com câmeras por todo lado. Ela foi a primeira a tomar a iniciativa, com um batom rosa que lembro nitidamente até hoje.
Muitos outros pacientes também tinham seus “pares românticos”, o que ajudava a deixar o ambiente mais leve. Vale lembrar que estávamos em um hospital psiquiátrico, com pessoas enfrentando desde vícios graves até quadros intensos de esquizofrenia. Um deles, inclusive, já estava lá há anos e vivia praticamente casado com outra interna. Alguns pacientes ficavam rondando os corredores apenas para tentar espiar as mulheres do outro lado — as alas eram separadas por uma sala em formato de caixa onde ficava a equipe de enfermagem.
Meu relacionamento com D. sobreviveu através de bilhetes trocados por intermédio de enfermeiras, outros internos ou com a ajuda do pessoal da Terapia Ocupacional. Consegui até o número de telefone dela e mandei uma mensagem durante uma das visitas. Ela ainda está internada. Existe uma diferença de idade considerável entre nós, mas espero que possamos, ao menos, sair para um encontro quando ela for liberada.
E é curioso como tudo isso aconteceu. De certo modo, se envolver com alguém lá dentro era mais fácil do que no mundo real. Havia menos exigências, menos julgamento. Estávamos todos lidando com nossas próprias feridas. Eu mesmo, fora dali, jamais pensaria em me apegar a uma “dependente química” — e no entanto, lá estava eu, interessado por várias pessoas em sofrimento, sendo D. a que mais chamou minha atenção.
Vamos encerrar, já que esse relato já tem mais de quatro páginas.
Ficar internado foi um verdadeiro banho de humildade. Eu achava que estava por cima, que tinha tudo sob controle — e por conta disso, paguei um preço alto: perdi meses preciosos da minha vida, passei meu aniversário de 31 anos em uma clínica e agora enfrento o desafio de me readaptar ao mundo real, algo que, confesso, está sendo difícil.
Esse é o meu maior desafio no momento. Acabei me acostumando com a rotina, os funcionários e os amigos do hospital. Mesmo limitado a um quarto pequeno e com poucos pertences, consegui encontrar algum conforto naquele cotidiano — e até me divertir em certos momentos. Agora, passo a maior parte do tempo sozinho em casa, cercado de projetos que ficaram congelados no tempo. Lá, eu não tinha celular, exceto nos dias de visita, e o mundo da tecnologia tem suas próprias exigências quando você passa três meses sem internet.
Como você pode imaginar, meus projetos envolvem um trabalho considerável com redes sociais. Já vinha lidando com esse universo em abril — cheguei a desativar meu Instagram pessoal de tanta frustração — e agora preciso gerenciar algumas páginas e fazê-las crescer novamente, especialmente o perfil @teacher.cesartalvez. Não é exatamente o tipo de trabalho que mais me agrada.
Na verdade, minha maior satisfação ainda vem de escrever artigos — embora às vezes eles sejam longos ou estranhos demais para chamar a atenção das pessoas.
Bom, no fim das contas, o que eu diria para evitar que outros passem pelo que passei?
Antes do fim de abril, eu estava investindo meu tempo em vários projetos:
Estou super comprometido em retomar o japonês — embora seja evidente o quanto está difícil “injetar” novas informações no meu cérebro quando reviso meus antigos flashcards. Provavelmente, essa é minha maior prioridade no momento.
Depois, pretendo retomar minha carreira como Mentor, mesmo sabendo que, após o que aconteceu, acabei perdendo um pouco da minha credibilidade como profissional voltado à Psicologia. Eu vinha tentando me aproximar dessa área com toda a força, enfrentando o ceticismo de quem não entende como alguém sem diploma pode oferecer serviços terapêuticos.
Ironia do destino: minha queda acabou provando que eles estavam certos.
Por fim, o Angel's Psychedelia é o projeto para o qual eu mais tenho material pronto — mas, infelizmente, ele exige um leitor com mente espiritualizada. Estou cogitando disponibilizar todo o conteúdo de forma gratuita, já que a abordagem de assinaturas escalonadas teve pouco sucesso até agora.
Enfim! Esse foi um artigo longo, um pouco difícil de escrever, e agradeço profundamente seu tempo em lê-lo. Nos vemos no próximo. 😉